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O mistério da consciência


A experiência consciente, embora seja um estado mental passível de explicação por quem tenha experimentado uma determinada sensação, não é algo que se deva generalizar, já que ela possui um caráter qualitativo subjetivo, variando de acordo com cada pessoa ou situação

Por Daniel Borgoni

Neste momento em que começo a escrever este texto, estou na sala e um dos meus gatos pula em cima da mesa em que eu estou trabalhando, precisamente em cima de um livro. Ao passar a mão nele, sinto seus pelos macios e sedosos, sinto- os de uma maneira diferente de quando pas so a mão no tapete da sala. Como de costume, meu gato esfrega seu focinho em mim e os seus bigodes me dão cócegas. Ao retirar o gato de cima do livro, o vermelho vivo de sua capa aparece para mim de um modo diferente do verde das folhas da planta que está na varanda. Então, subitamente, vivencio uma profunda angústia existencial.

Os exemplos de experiências que acima descrevi são chamados de experiências conscientes. Quando as tive, cada uma delas apareceu em minha consciência de um determinado modo, ou seja, cada uma delas teve uma característica qualitativa distintiva que foi apreendida subjetivamente. Assim, as experiências conscientes têm caracteres qualitativos subjetivos que são acessíveis a partir de um ponto de vista em primeira pessoa e, portanto, são relativos a quem está tendo a experiência.

Ora, isso implica que, se eu e você estivermos sentindo dor em nosso segundo molar direito da arcada superior, mesmo que o dentista nos diga que isso se deve a uma inflamação de canal e que algum escâner mostre-nos que a área afetada é a mesma, ainda assim, não podemos afirmar necessariamente que estamos tendo a mesma sensação de dor, na medida em que o caráter qualitativo de cada dor parece ser apreendido por uma só perspectiva, ou seja, a sensação de dor aparece de um modo específico somente a quem a está experienciando.

Quando temos uma experiência consciente, adentramos em um estado mental com caráter qualitativo, isto é, um estado mental que aparece de um modo específico à consciência do experienciador. Os estados mentais podem ser classificados em sensações, cognições, emoções, percepções, entre outros, sendo que as sensações são consideradas os paradigmas de estados mentais com aspectos qualitativos, já que são tipificadas essencialmente por suas características qualitativas. Por exemplo, é coerente afirmar que a essência daquilo que chamamos “dor” é o que sentimos quando temos dor. Assim, para que eu saiba o que a dor é, parece ser condição necessária que eu tenha sentido dor.

Desse modo, estados mentais conscientes e, portanto, experiências conscientes, parecem possuir propriedades qualitativas intrínsecas que só podem ser apreendidas na perspectiva de primeira pessoa e, consequentemente, são inescrutáveis a um observador externo. No âmbito da filosofia da mente tais propriedades são denominadas qualia.



Os estados mentais podem ser classificados em sensações, cognições, emoções, percepções, entre outros, sendo que as sensações são consideradas os paradigmas de estados mentais com aspectos qualitativos, já que são tipificadas essencialmente por suas características qualitativas.



Os qualia são associados à consciência fenomênica, tendo em vista que eles são apreendidos pela consciência de quem os experiencia, ou seja, as características ou propriedades qualitativas da experiência subjetiva aparecem a uma consciência. Ter consciência fenomênica é ter experiência direta e imediata do caráter qualitativo (quale) que certos estados mentais parecem possuir.

É importante notar que “consciência” é um termo que admite várias acepções, como estar desperto, estar em estado de vigília, estar atento a algo ou ter autoconsciência. Mas a consciência fenomênica aponta para outro sentido, a saber, a consciência entendida como experiência consciente. Desse modo, sempre quando utilizarmos “consciência” neste texto, estaremos utilizando-a nesse sentido, que também é sinônimo de consciência fenomênica.

Como vemos, as experiências conscientes são comuns em nossa vida. Nós sabemos que as vivenciamos e elas são uma das coisas das quais mais temos certeza no mundo, porém são um grande mistério. Nós ainda não conseguimos explicar coerentemente como elas surgem do cérebro e o que elas são. Ou seja, não temos uma teoria amplamente aceita que justifique racionalmente de que modo um sistema físico como o cérebro pode experienciar (um sabor, uma felicidade, uma dor, etc.), e que explique a natureza da experiência consciente, tendo em vista que esta parece inapreensível cientificamente.

De forma mais clara, cérebros, sapatos, cadeiras, elétrons, terremotos, planetas, neurônios, manchas solares, partículas subatômicas, a fotossíntese, etc, podem ser explicados em termos biológicos, químicos ou físicos e, assim, em termos objetivos. Entretanto, a consciência tem uma particularidade que não se verifica nas outras coisas e fenômenos do mundo: a subjetividade. Assim, se a consciência tem características qualitativas intrínsecas (os qualia) que só podem ser apreendidas subjetivamente e, portanto, inescrutáveis e indescritíveis sob um ponto de vista de terceira pessoa, como conciliar a objetividade das explicações científicas com a subjetividade da consciência, se “essa objetividade resulta, justamente, da tentativa de eliminar tudo que seja relativo a um determinado ponto de vista?” (a Abrantes, 2005, p. 225).

Para entendermos melhor o problema que a experiência consciente impõe ao nosso intelecto, vejamos com mais vagar as dificuldades que surgem quando tentamos conciliá-la com o que sabemos.

Enfrentando o problema
A maioria dos filósofos e filósofas que trabalham com a consciência tenta explicar os seus problemas por meio de alguma teoria materialista. De forma geral, o materialismo é a visão segundo a qual todos os fenômenos, tudo o que acontece, em suma, tudo o que existe pode ser explicado cientificamente. O materialismo aplicado à mente é a abordagem que defende que podemos identificar, reduzir ou descrever todos os estados mentais em termos de estados, eventos ou processos cerebrais. Em resumo, nossas tristezas, felicidades, sensações, percepções, crenças, saudades, alegrias, enfim, toda a nossa vida mental seria explicada, em última instância, por meio de processos químicos e físicos do cérebro.

Entretanto, inserir a experiência consciente no mundo físico não é tarefa fácil, uma vez que, como vimos, suas propriedades qualitativas – os qualia – parecem ser apreendidas subjetivamente. Desse modo, uma barreira que as abordagens das ciências da natureza e as teorias materialistas têm que transpor para explicar o que é a consciência é o hiato que existe entre a objetividade do cérebro e a subjetividade da consciência. Vejamos como essa dificuldade aparece.

Quando um pesquisador quer estudar a estrutura do cérebro e as suas funções, pode acessá-lo abrindo o crânio ou submetendo-o a algum tipo de varredura, por exemplo, à ressonância magnética funcional ou à tomografia por emissão de pósitrons. A dissecação permite ao pesquisador, por exemplo, analisar o cérebro em um microscópio eletrônico e, com isso, estudar a sua estrutura e os seus componentes. Por meio das imagens de um cérebro em atividade captadas por algum equipamento pode-se associar as funções cognitivas humanas às diversas estruturas ou regiões do cérebro. Assim, com o uso dessas e de muitas outras técnicas e procedimentos, são coletadas inúmeras informações que nos permitem explicar a nossa cognição, propor, testar e refutar teorias.

Vemos que o método de pesquisa científico é eminentemente um método que visa explicar um fenômeno objetivamente. Contudo, parece ser ineficiente quando tentamos explicar a consciência enquanto experiência consciente, na medida em que não conseguimos observar esse fenômeno, nem explicá-lo em termos de funções, estruturas e outros fenômenos que ocorrem no cérebro. Em outras palavras, as informações que são coletadas empiricamente e as teorias materialistas que procuram explicar a mente humana não conseguem explicar a consciência, pois todas essas explicações são compatíveis com a ausência de consciência. Mais objetivamente, nós não conseguimos deduzir das informações biológicas, químicas ou físicas a existência da consciência, ou seja, nada nessas observações nos obriga a postular a existência da experiência subjetiva.

Por exemplo, a ciência associa a ativação das fibras C do sistema nervoso central àquilo que chamamos “dor”, mas não sabemos explicar como isso dá origem à experiência subjetiva que alguém tem quando sente dor, ou o por que quando estimulamos as fibras C temos dor e não cócegas. Nós não conseguimos explicar objetivamente a natureza da dor, pois suas propriedades qualitativas não são reveladas no organismo. Ora, observou a Saul Kripke (1981), se a essência da dor não é revelada nas operações do organismo, para que algo seja considerado uma sensação de dor, tudo o que se requer é a experiência de dor.

Desse modo, a essência da dor não consiste na ativação das fibras C do sistema nervoso de um organismo, ou em outros processos neurobiológicos, mas, sim, nos qualia. Escanear um cérebro vivo com algum equipamento ou acessá-lo com a pessoa acordada também não resolve a questão, pois para ter certeza que a pessoa está sentindo dor, é condição necessária que esta assevere que está sentindo dor. Assim, existe uma autoridade da perspectiva de primeira pessoa sobre a perspectiva de terceira pessoa.

Para explicitar melhor o exposto, comparemos um fenômeno físico com o fenômeno da consciência. Considerando que a natureza de um relâmpago é descrita como uma descarga de elétrons que ocorre entre o solo e a atmosfera, ela pode ser apreendida por um ponto de vista em terceira pessoa. Portanto, a natureza do relâmpago pode ser explicada e descrita objetivamente, inclusive por alguém que não pode ver, ou ainda por um extraterrestre que não possua um aparato visual igual ao nosso, mas que tenha ciência suficiente para tal descrição. Contudo, não é fácil encontrar tal objetividade para a experiência consciente de um organismo, tendo em vista que ela parece ter um caráter subjetivo que é apreendido somente por um (e somente um) ponto de vista.

Quando nos referimos ao relâmpago, podemos abandonar sua aparência a favor de sua natureza, mas quando nos referimos à experiência, “a ideia de passarmos da aparência para a realidade parece não fazer aqui qualquer sentido” (Nagel, 2002, p. 223). Assim, considerando que o caráter subjetivo da experiência é somente apreendido por um ponto de vista específico, se abandonarmos tal especificidade, estaremos nos distanciando da verdadeira natureza da experiência consciente.

Desse modo, nas palavras do filósofo a Thomas Nagel, “se os fatos da experiência – fatos acerca de como é para o organismo que experiencia – são acessíveis somente a partir de um único ponto de vista, então é um mistério como que o caráter verdadeiro das experiências poderia ser revelado nas operações físicas de um organismo” (Nagel, 2002, p. 222).

Os novos dualistas
Mediante as dificuldades enfrentadas pelas tentativas materialistas de explicar a natureza da experiência consciente, inúmeros filósofos defendem uma posição antimaterialista da consciência (que não deve ser entendida como uma posição esotérica ou religiosa). Eles argumentam a favor do dualismo de propriedades, uma forma de dualismo mais branda que o dualismo cartesiano, no qual a mente e o corpo estariam em realidades completamente distintas.

Os novos dualistas afirmam que no mundo existem duas espécies distintas de propriedades – a saber, propriedades físicas e propriedades não físicas ou propriedades conscientes – de modo que os qualia seriam estas últimas. Partidário dessa posição, David Chalmers (1996) afirma que a consciência é uma característica fundamental do mundo do mesmo modo que são, por exemplo, a massa ou o espaço-tempo. Contudo, a consciência é um fator suplementar que acompanha e depende dos processos cognitivos do cérebro. Ou seja, a consciência depende e emerge de uma base física, porém, suas propriedades não físicas (os qualia) não podem ser explicadas em termos físicos.

Para sustentar suas teses, os dualistas de propriedades propõem argumentos que colocam em xeque as abordagens materialistas da mente ou apresentam alguma teoria psicofísica que tenta explicar o vínculo entre consciência e matéria. Entretanto, esses argumentos não são conclusivos, ou seja, não demonstram que a consciência não pode ser reduzida, identificada ou descrita por meio de processos, funções ou estados cerebrais, dando margem a objeções que tentam bloquear as conclusões antimaterialistas de tais argumentações. De modo análogo, as teorias psicofísicas também não são imunes a críticas. Assim, existe um intenso debate entre as posições materialistas e as posições dualistas que visam esclarecer ou transpor o hiato entre a objetividade do cérebro e a subjetividade da experiência.

É sensato pensar que a consciência possa ser explicada por meio de alguma teoria materialista, e que possa ser revelada de alguma forma pelos mecanismos cerebrais, mas também é prudente defender que a consciência tem características qualitativas, de modo que, se alguma teoria da consciência busca ter sucesso, não deve prescindir destas.

A experiência consciente existe, mas continua sendo um profundo mistério. Onde está a sensação agradável que tenho quando passo a mão nos pelos do meu gato? Como a minha experiência de angústia emerge do cérebro? Por que quando meu gato esfrega seus bigodes na minha mão, eu sinto cócegas, e não arrepios? Como um sistema físico pode revelar a minha experiência subjetiva? Enfim, qual a natureza da consciência?



REFERÊNCIAS
ABRANTES, P. Thomas Nagel e os limites de um reducionismo fisicalista. In: Cadernos de História e Filosofia das Ciências. Campinas, v.15, p.223-244, 2005.
CHALMERS, D.J. The Conscious Mind. New York: Oxford University Press, 1996.
EZCURDIA, M; HANSBERG, O. La Naturaleza de la Experiencia. Coyoacán: Universidad Nacional Autónoma de México, 2003.
KIM, J. Philosophy of Mind. Cambridge: Westview press, 2006.
KRIPKE, S. Naming and Necessity. Oxford: Blackwell Publishing, 1981.
NAGEL, T. What is it like to Be a Bat? In: Philosophy of mind: Classical and contemporary readings. New York: ed. Oxford University Press, p. 219-226, 2002.
TYE, M. Philosophical Problems of Consciousness. In: Blackwell Companion to Consciousness. Oxford, p. 23-35, 2007.



FONTE: http://filosofia.uol.com.br/

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